Redes, Política e Depressão

A Era da Exposição e Seus Impactos

Janquiel Papini – Fundador da Eleitoral Connect

Ao longo de mais de 20 anos atuando na política, vi de perto o impacto que as redes sociais tiveram na maneira como nos comunicamos e nos relacionamos. Trabalhando como chefe de gabinete na Assembleia Legislativa, acompanhei o início da transformação digital no campo político, um momento que parecia ser promissor. A tecnologia trouxe a expectativa de conectar lideranças e cidadãos, ampliando o diálogo e fortalecendo a democracia. Mas, com o passar do tempo, percebi que essa promessa veio acompanhada de novos desafios: a superficialidade, a polarização e o impacto emocional.

Muitos acreditam que minha trajetória reflete um entusiasmo pelo digital ou uma defesa incondicional da tecnologia. Mas, na verdade, minha relação com o digital é outra. Estudo e trabalho com tecnologia porque acredito que precisamos garantir que o ser humano esteja no controle – e não o contrário. Uma espécie de “síndrome de John Connor”, se me permitem a ironia. Minha geração cresceu assistindo O Exterminador do Futuro na Sessão da Tarde, acreditando que máquinas dominando o mundo era ficção científica. Mas estamos vendo essa profecia se realizar, só que os vilões não são robôs gigantes, e sim algoritmos que moldam comportamentos, ditam tendências e, muitas vezes, nos consomem.

E aqui surge a pergunta que gostaria de deixar para você: “Você consome o digital ou o digital te consome?”

A Política Como Performance Digital

No ambiente digital, a política se transformou em um espetáculo. Likes, compartilhamentos e engajamentos são as novas métricas de sucesso. Em vez de ações concretas, o que muitas vezes se prioriza é a aparência. A lógica do “lacrar” se tornou uma forma rápida de alcançar visibilidade, mas, na maioria das vezes, gera mais divisão do que conexão.

Quando o foco está no engajamento, e não no propósito, a política perde seu verdadeiro sentido. A lacração pode atrair atenção, mas dificilmente promove mudanças reais. Além disso, viver nesse ciclo de exposição e validação pode ser emocionalmente exaustivo. Lideranças, equipes e até eleitores acabam presos em um jogo onde é preciso agradar o algoritmo, e não dialogar com pessoas.

Narcisismo, Depressão e o Preço da Exposição

Freud já nos alertava que o narcisismo, quando levado ao extremo, transforma-se em uma fonte inevitável de sofrimento. No ambiente digital, essa característica humana é potencializada a níveis que ele provavelmente jamais imaginou. Redes sociais, com sua lógica de validação constante, criaram um sistema que funciona quase como uma máquina de reforço emocional. Cada curtida, comentário ou compartilhamento libera uma dose de dopamina, o neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e recompensa. Isso incentiva políticos, figuras públicas e cidadãos comuns a buscarem mais engajamento – mesmo que, para isso, precisem distorcer suas próprias identidades ou expor-se além dos limites saudáveis.

Porém, essa dinâmica tem um lado sombrio. Quando as interações digitais não atingem as expectativas – seja o número de curtidas abaixo do esperado, uma postagem que não performa bem ou até mesmo críticas recebidas –, surge um vazio emocional. Esse sentimento pode levar a um ciclo de insatisfação, autoquestionamento e, em casos mais graves, quadros de ansiedade e depressão. É como se a pessoa fosse avaliada constantemente por métricas externas, perdendo o controle sobre seu próprio senso de valor.

Para políticos e suas equipes, esse cenário é ainda mais intenso. A política sempre foi marcada pela necessidade de aprovação, mas nas redes sociais, essa necessidade se transformou em uma pressão contínua e pública. Manter relevância digital se tornou essencial para sustentar uma imagem de influência e conexão com o público. Entretanto, a busca incessante por engajamento muitas vezes exige sacrifícios.

O conteúdo que mais gera reações – polarizações, discursos inflamados e provocações – nem sempre é o que representa as ações reais de um mandato. Isso cria uma dissonância entre o que é feito e o que é mostrado, gerando um desgaste emocional para políticos e suas equipes, que vivem em um estado constante de alerta e cobrança.

Ansiedade, esgotamento profissional e sentimentos de inadequação são comuns nesse ambiente. A necessidade de estar sempre “online” e produzir conteúdos que “performem” bem transforma a rotina de trabalho em um ciclo exaustivo, deixando pouco espaço para reflexão e descanso. O trabalho político, que deveria ser baseado em impacto e transformação, passa a ser reduzido a um espetáculo de métricas.

Os efeitos dessa lógica não se restringem às figuras públicas. O público também é profundamente afetado. O digital, em vez de promover conexões reais, frequentemente nos cerca de divisões artificiais e comparações constantes. As redes sociais criam bolhas de conteúdo, onde opiniões extremas ganham mais visibilidade e reforçam divisões ideológicas, afastando ainda mais as pessoas de um diálogo genuíno.

Além disso, a comparação incessante com a vida idealizada de outros – sejam influenciadores, políticos ou até mesmo amigos – mina a autoestima e a empatia. Vivemos em um ambiente onde o julgamento parece ser constante, e isso dificulta a construção de um senso de comunidade. Ao invés de união, o digital muitas vezes promove isolamento emocional, transformando o que deveria ser uma ferramenta de interação em um gatilho para sentimentos de inadequação e solidão.

O narcisismo exacerbado, alimentado pelas redes sociais, está no centro dessa crise. A validação digital nunca é suficiente para preencher o vazio emocional causado pela desconexão consigo mesmo e com os outros. Tanto figuras públicas quanto o público em geral precisam refletir sobre como estão usando o digital – e, mais importante, sobre como ele está os usando.

O desafio é resgatar o equilíbrio. Reduzir a dependência de métricas externas e valorizar conexões reais, ações concretas e a saúde mental. Porque, no fim, nenhum número de curtidas pode substituir o que realmente importa: a construção de relações autênticas, o impacto positivo no mundo e o bem-estar coletivo.

Movimentos Contracíclicos: Conexões em Vez de Divisão

Apesar do cenário desafiador, acredito que é possível ressignificar o digital. Movimentos contracíclicos podem usar as redes para promover pautas que conectem, em vez de dividir. Ao invés de priorizar o engajamento superficial, podemos construir narrativas que dialoguem com as pessoas de forma autêntica e humanizada.

Como Mudar a Lógica do Digital na Política:

  1. Humanizar a comunicação: Mostrar vulnerabilidades e conquistas reais cria empatia e confiança.
  2. Focar no coletivo: Priorizar temas que unam as pessoas em torno de valores compartilhados.
  3. Educar para o digital: Lideranças precisam entender como usar as redes de forma consciente, sem serem consumidas por elas.
  4. Construir narrativas baseadas em ações concretas: Usar o digital para amplificar o impacto de políticas reais, não apenas discursos vazios.

Consome ou é Consumido?

Essa é a reflexão que deixo. Estamos consumindo o digital ou sendo consumidos por ele? A política não precisa ser refém da lógica do espetáculo. O digital pode e deve ser usado para dialogar, conectar e transformar, mas isso exige coragem para romper com o ciclo da superficialidade e construir algo autêntico.

Como alguém que acompanhou a chegada do digital na política e agora trabalha para ajudar lideranças a navegarem nesse cenário, vejo que o futuro não está nos algoritmos, mas em como escolhemos usá-los. A tecnologia não é boa ou ruim – ela é o que fazemos dela.

Então, antes de abrir sua próxima rede social, pergunte-se: quem está no controle? Afinal, o futuro depende de resgatarmos o propósito, tanto no digital quanto na vida real. E isso começa com uma escolha: consumir o digital ou ser consumido por ele.

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