Vivemos tempos de escolhas silenciosas, mas decisivas.
As tecnologias que moldam o presente — algoritmos que personalizam informações, sistemas que automatizam decisões, plataformas que conectam ou fragmentam sociedades — já não são apenas ferramentas. São infraestruturas invisíveis, determinando ritmos de vida, formas de trabalho, modos de existir.
No Brasil, o debate sobre a regulamentação das tecnologias algorítmicas começa a ganhar espaço com o Projeto de Lei 2338/2023.
É um avanço importante. Mas também é apenas o primeiro passo de um caminho que exigirá coragem, responsabilidade e visão de futuro.
Porque não se trata apenas de estabelecer regras para o uso ético dos algoritmos.
Trata-se de decidir quem seremos enquanto sociedade.

Ainda há tempo de escolher.
Podemos construir um país que utiliza as tecnologias para promover justiça social, inclusão, soberania e bem-estar coletivo.
Ou podemos aceitar que as decisões sobre nossas vidas sejam tomadas a milhares de quilômetros de distância, em servidores que nunca veremos, por interesses que não nos conhecem.
Regular tecnologias algorítmicas não é um ato burocrático.
É uma afirmação de princípios.
É dizer que a democracia importa.
É dizer que as crianças indígenas importam.
É dizer que as comunidades periféricas importam.
É dizer que o meio ambiente importa.
É dizer que a autonomia das pessoas importa.
Para isso, é preciso coragem para enfrentar temas que ainda não ganharam o espaço que merecem.
É preciso falar da manipulação algorítmica das eleições, dos perfis falsos, dos deepfakes que podem distorcer a democracia.
É preciso proteger crianças, povos indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, frente a algoritmos que reproduzem — ou amplificam — as discriminações históricas.
É preciso regular com seriedade o uso dos algoritmos em setores como saúde, educação e segurança pública, onde a vida e o futuro de milhões estão em jogo.
É preciso garantir que os sistemas sejam auditados de forma independente, que não haja caixas-pretas decidindo quem tem acesso a direitos.
É preciso reforçar a proteção integral da privacidade, em tempos em que até as ondas cerebrais podem ser decodificadas e transformadas em dados.
Mas isso ainda é pouco.
Para construir uma sociedade realmente livre na era algorítmica, o Brasil precisa ir além da regulação reativa.
Precisa construir soberania.
Isso significa:
- Desenvolver infraestrutura própria de computação e armazenamento de dados,
- Apostar nos talentos brasileiros para criar e auditar algoritmos,
- Proteger os dados do povo brasileiro com cibersegurança robusta,
- Ampliar o acesso à internet de qualidade para todas as pessoas, em todas as regiões,
- Liderar uma nova geração de inteligência algorítmica sustentável, ancorada em energias renováveis e respeito ao meio ambiente,
- Participar ativamente dos fóruns internacionais, oferecendo ao mundo uma visão ética, democrática e inclusiva do futuro digital.
Não é um projeto isolado.
É um projeto coletivo, nacional e global ao mesmo tempo.
Não é uma tarefa técnica.
É uma tarefa civilizatória.
Talvez nunca tenhamos estado diante de uma escolha tão silenciosa e tão definitiva.
Regulamentar a tecnologia é decidir que tipo de liberdade queremos preservar.
É decidir que tipo de futuro queremos construir.
A oportunidade está aqui.
A janela de tempo é curta.
A responsabilidade é imensa.
Mas a possibilidade é real.
Ainda há tempo.
E talvez nunca tenhamos precisado tanto uns dos outros — pensamento, crítica, sensibilidade — para fazer a escolha certa.