Por Janquiel Zeni Papini | Tecnopolítica
Tem algo estranho no ar.
O governo Lula governa, entrega, cuida — e a aprovação segue travada. O país apresenta bons indicadores econômicos, a fome volta a ser enfrentada com seriedade, o Brasil retoma seu protagonismo internacional, o SUS respira, mas… algo não engrena. A pergunta que muitos evitam, mas que está na mesa: por que está tão difícil melhorar a percepção pública do governo?
A resposta não está apenas nas ações — mas na comunicação das ações.

A crise da comunicação é uma crise de conexão
Na política contemporânea, fazer não é suficiente. É preciso fazer e comunicar. E comunicar não é gritar nem anunciar — é construir sentido com as pessoas. Se não há narrativa, não há memória coletiva da ação pública. E se não há memória, não há reconhecimento.
Hoje, o discurso oficial parece falar para dentro. Reforça convicções de quem já está do lado. Mas falha em dialogar com quem está em dúvida, com quem perdeu a confiança, com quem vive anestesiado pelas urgências da vida.
Enquanto isso, os setores que operam no campo do ressentimento comunicam com precisão emocional. Utilizam símbolos simples, memes rápidos e frases curtas para ativar sentimentos. Criam vilões, alimentam mitos, fabricam certezas. E nisso, constroem força.
O caso China: uma metáfora do ruído
A viagem recente à China ilustra esse descompasso. Uma comitiva extensa, uma agenda estratégica, ganhos concretos. Mas tudo isso foi eclipsado por uma fala sobre a primeira-dama — vazada por alguém da própria equipe. A resposta pública à crise foi ruidosa, emocional e descoordenada. Acabou expondo fraquezas internas e obscurecendo os méritos da viagem.
Na política, até o silêncio é estratégia.
E quem governa não pode se comunicar como se estivesse numa briga familiar.
A comunicação do governo precisa ser símbolo, direção e comando.
Passei quase toda a minha vida do lado de dentro do “balcão” da política. E coloco “balcão” entre aspas porque política, para mim, nunca foi negócio. Sempre foi paixão, arte, compromisso com a humanidade. Uma coisa viva. Um vínculo com as pessoas. Algo muito maior que um partido.
Durante anos, vivi intensamente a prática política. Estive em campanhas, mandatos, articulações, disputas. Muitas vezes não percebia a importância da comunicação como arquitetura de percepção. Porque via tudo de perto demais. Com o olhar de quem milita. De quem sente.
Hoje, consigo observar com mais distanciamento, e por isso com mais lucidez. Estudo plataformas, acompanho tendências, entendo o jogo dos algoritmos, da estética, da atenção. E chego a uma constatação simples: não basta governar com entrega — é preciso governar com narrativa.
O Brasil de hoje precisa de campos políticos que saibam comunicar sentido
Não é uma questão de partido.
É uma questão de inteligência democrática.
O Brasil precisa de campos políticos — sejam eles quais forem — que saibam cuidar das pessoas e, ao mesmo tempo, dialogar com elas. Que saibam comunicar não apenas dados, mas direção, sensibilidade e simbolismo. Que entendam que comunicar é ouvir, é acolher, é traduzir o que se faz numa linguagem que pulsa no cotidiano das pessoas.
Governar sem comunicar é como amar sem demonstrar: o outro não sente.
E se o outro não sente, o vínculo se rompe.
A política precisa reencontrar sua capacidade de criar laços.
Não só com programas, mas com palavras.
Não só com dados, mas com afeto.
Não só com razão, mas com presença.
Enquanto isso não for entendido, seguirá difícil transformar a entrega em aprovação — e a política seguirá falando sozinha, enquanto as pessoas procuram alguém que as escute.