O que Nicolelis não disse ?

Janquiel Papini

Antes de mais nada, é importante ressaltar que sou um grande admirador de Miguel Nicolelis e de seu trabalho na neurociência. Nicolelis é um visionário e pioneiro em sua área, com contribuições significativas para a interface cérebro-máquina, possibilitando avanços notáveis em neuropróteses e reabilitação. Ele é uma figura de destaque na ciência brasileira e uma inspiração para muitos. Por isso, valorizo suas opiniões e reconheço a relevância de seu trabalho, inclusive durante a pandemia.

No entanto, em sua entrevista à Folha de S. Paulo, o renomado neurocientista expressou opiniões contundentes sobre a inteligência artificial (IA), o escritor Yuval Harari e a tecnologia de conversação baseada em IA, como o ChatGPT. Ao oferecer críticas acirradas, Nicolelis negligenciou aspectos importantes que merecem uma análise mais equilibrada e detalhada.

A inteligência em “inteligência artificial”

A afirmação de Nicolelis de que a inteligência artificial “não é nem inteligente nem artificial” parece ser uma tentativa de resumir em poucas palavras algo extremamente complexo e em constante evolução. Contudo, essa simplificação pode levar a interpretações equivocadas.

A inteligência em IA refere-se à capacidade de sistemas computacionais emular características associadas à inteligência humana, como aprendizado, raciocínio, percepção e resolução de problemas. Embora a IA não possua consciência ou experiência subjetiva, isso não a desqualifica como “inteligente” no sentido funcional. Pense, por exemplo, em sistemas de diagnóstico médico, que analisam exames com precisão incrível, ou em ferramentas de previsão econômica que ajudam a evitar crises financeiras.

De acordo com Stuart Russell e Peter Norvig em Artificial Intelligence: A Modern Approach, inteligência é a capacidade de realizar tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana. Nesse contexto, a IA já mostrou avanços que, embora limitados ao seu design, são verdadeiramente impressionantes.

Quanto ao termo “artificial”, é importante lembrar que ele não implica falsidade, mas sim que o sistema é criado por humanos. John Haugeland, em sua obra Artificial Intelligence: The Very Idea, argumenta que o termo destaca a origem tecnológica, e não sua autenticidade ou validade. A IA pode ser vista como uma nova forma de inteligência criada não por processos biológicos, mas por meio da engenhosidade humana, como observa Tim Urban em seu artigo “The AI Revolution: The Road to Superintelligence”.

ChatGPT e o conceito de plágio

Nicolelis descreveu o ChatGPT como um “grande plagiador”, mas essa colocação carece de precisão. O ChatGPT utiliza aprendizado profundo para identificar padrões de linguagem em grandes volumes de texto. Ele não copia diretamente informações, mas gera respostas baseadas em combinações estatísticas de palavras e frases. Imagine que ele funcione como um músico tocando um solo inspirado por várias melodias que ouviu — ele cria algo novo a partir de elementos existentes.

A ideia de plágio implica intencionalidade e autoria, algo que a IA não possui. Ferramentas como o ChatGPT são projetadas para responder de forma informativa, mas não possuem consciência ou motivações humanas. Portanto, acusá-las de plágio é confundir as capacidades técnicas com intenções humanas.

IA e desigualdade no trabalho

Nicolelis está absolutamente correto ao destacar que a IA pode ser usada como ferramenta para aumentar desigualdades, especialmente quando aplicada de forma desregulada em um sistema econômico que prioriza o lucro sobre o bem-estar. No entanto, focar apenas no aspecto negativo pode nos levar a perder de vista as oportunidades de transformar positivamente o mundo do trabalho.

Historicamente, tecnologias disruptivas geraram incertezas, mas também possibilitaram avanços significativos. Durante a Revolução Industrial, por exemplo, o uso de máquinas substituiu tarefas braçais repetitivas, permitindo que trabalhadores se concentrassem em atividades mais especializadas. Hoje, a IA tem o potencial de liberar as pessoas de tarefas monótonas, possibilitando um foco maior em criatividade, resolução de problemas e interações interpessoais significativas.

Em The Second Machine Age, Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee destacam que a IA pode democratizar o acesso a serviços como educação e saúde, tornando soluções antes inacessíveis disponíveis para populações mais amplas. Essa democratização, no entanto, requer regulação eficaz e políticas que promovam a distribuição equitativa dos benefícios tecnológicos.

O papel de Yuval Harari

Nicolelis também criticou Yuval Harari, autor de Sapiens, argumentando que sua abordagem não aprofunda aspectos específicos da história humana. No entanto, essa crítica parece ignorar o objetivo principal de Harari: oferecer uma narrativa ampla, acessível e interdisciplinar sobre a história da humanidade.

Harari utiliza uma abordagem que integra história, ciência e filosofia, tornando temas complexos compreensíveis para um público diverso. Seu trabalho promove reflexões essenciais em uma era marcada por desinformação, algo similar ao que Carl Sagan defendia em O Mundo Assombrado pelos Demônios.

Embora não seja um trabalho acadêmico rigoroso, Sapiens cumpre um papel importante como obra de divulgação, permitindo que mais pessoas reflitam sobre questões que moldaram a nossa existência. Em vez de criticar sua amplitude, é mais justo reconhecer sua contribuição para popularizar temas relevantes e incentivar debates mais profundos.

Minha intenção não é polemizar ou lacrar, mas contribuir para um debate mais equilibrado sobre temas complexos. Nicolelis, com sua experiência e conhecimento, traz reflexões valiosas, mas suas críticas podem ser enriquecidas com uma compreensão mais ampla das nuances envolvidas.

Devemos enxergar a inteligência artificial e as tecnologias emergentes como ferramentas que podem tanto exacerbar desigualdades quanto criar novas oportunidades. Cabe a nós, como sociedade, moldar o futuro que queremos. Isso exige uma abordagem colaborativa, regulamentação eficaz e um compromisso com a ética. O futuro da tecnologia está em nossas mãos — e debates como este são essenciais para construí-lo de maneira mais justa e humana.

Um comentário sobre “O que Nicolelis não disse ?

  1. Texto anódino que poderia ter sido escrito pelo ChatGPT. Quer se contrapor a Nicolelis mas não apresenta nenhuma argumentação sólida para demarcar a relevância de sua suposta discordância.

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